réquiemMeu amigo, que bom que pude te encontrar, assim no meio da manhã, sei dos teus compromissos e obrigações. Estava tudo em ordem por aqui, mas você sabe como o meu humor flutua, ainda mais nesses tempos em que o fim já me persegue.
Amigo, chegue cá, me dê um abraço e não repare o tom de despedida nem a bagunça ao redor. Já tirei todos os meus livros da estante, espalhei meus discos pelo chão do jardim e pus minhas fotos dentro de um cofre e escondi de mim a chave, para não lembrar daqueles dias de folia e paz.
Já joguei fora os meus remédios que atrasariam a minha morte, estou entregue à minha desventura, acho que minha sorte já não dura e talvez seja a hora de ser forte. Por favor, me ajude a sentar neste banquinho que já fico tonto, tantas lembranças me embargam o coração, não fique triste, o fim é sem saída, já estou acostumado com a idéia.
Ah! meu amigo, não sabe a satisfação que você me deu estando comigo, me perdoe a falta de cigarros ou daquele bom e velho uísque, mas os prazeres da vida todos me foram cortados, talvez eu ganhe mais uns dias sem gozá-los, mas para mim isso pouco importa. Sei que tem coisas a fazer, por favor, não negue. Se precisa ir embora, apenas vá, mas me deixe o seu aperto de mão mais sincero, ainda hoje quero ver o pôr-do-sol na Praça da Liberdade, olhar em volta e ver que o tempo urge sem que o eterno vire moda nestas bandas.
Adeus amigo velho, se quiser aparecer, por favor, fique à vontade, a casa é sua. Mande lembranças às crianças, os dois já estão tão crescidos. Um abraço à minha grande amiga Estela, feche a porta na saída que vou tentar ler alguma coisa, antes que a noite chegue e o meu dia apague. Grande amigo, sentirei saudades...
texto escrito em 19.01.2005, uma quarta-feira...