1° carta
Lá fora eu escuto a tosse dos carros e o ronco das pessoas [ou seria o contrário?], mas não escuto o som bom da chuva.
Menos mal, eu penso rápido, esquecendo como a chuva e as noites de chuva me são caras.
O problema é que aqui o céu não fica vermelho. É só um cinza sem fim e depois um negrume natural da noite, até o dia amanhecer fresco, ameno e surpreendentemente claro. Até o azul do céu é possível ver, e nuvens brancas também.
E essa foi a coisa que mais me fascinou: essa cidade ainda respira. Mesmo que o rodízio de carros tenha voltado.
Bom mesmo é saber que o mundo vai realmente acabar por culpa do homem e que quando eu estranhava as confusões climáticas ainda na escola, nos idos de 98, não era apenas uma coincidência qualquer. Era o início do fim.
Melhor ainda é começar a perceber que a pergunta “qual é a boa de hoje?” faz cada vez menos sentido. Não se tem dinheiro, não se tem pique, não se tem amigos.
Acho que agora é chegado o tempo de acordar na segunda-feira sem prensar no que será o sábado. Acordo todo dia pensando em milhões de assuntos, para resolver e eu sei que isso, querendo ou não, é amadurecer de alguma forma.
E eu nem ligo tanto. Mal necessário, eu me afirmo até acreditar. Assim como a crença vã de que ladrões dormem do mesmo jeito que os cidadãos de respeito. E também não assaltam na chuva.
Tranquilizador.
Musicalmente, duas coisas andam acontecendo. Uma é que minha grana para comprar pilha para o pen drive acabou. Ou seja, estou sujeito ao total silêncio na hora de dormir. E ai eu penso. Baturité, Parnaíba, Jericoacoara, Salvador, Parnaíba... 2006 foi um ano de viagens, um ano de abraços, de risos, de abraços.
E 2007, por risco escolhido por mim, será um ano de virtualidade, pouca entrega e quase nenhum abraço... Vai ser um ano de muito mais “cordialmente” ao fim dos e-mails do que “abraços carinhosos” ou “te amo”. Claro que esses vão existir em grande quantidade. Mas o primeiro tipo será a virtualidade palpável. A pessoa ao seu lado não te inspira outra coisa a não ser um “cordialmente”.
E a outra coisa que aconteceu musicalmente para mim foi/é que os calos dos meus dedos, de tocar contrabaixo, estão sumindo, fading away... Triste constatação, que dá sinais de muitas outras coisas que não só a falta de um baixo para praticar.
Significa o sacrifício de vender meu baixo e meu amplificador, de saber que eles não me seriam necessários por um bom tempo. Tudo isso dói demais. E a prova disso são meus calos indo embora.
Mas como diz o monge budista... “se tiveres de escolher um caminho entre dois, não pensa no caminho que não escolheu.
Agora lá fora eu já escuto buzinas, tosses mais altas e outras vozes. Não fosse pelo telefonema de minha mãe, eu talvez não dissesse nada até mais tarde, quando chegasse na Abril.
Por que aqui, mais que tudo e todos, o silêncio é sua maior companhia.
09.02.07